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De moeda em moeda

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Como o Fundo CART viabiliza pesquisas sobre o Alzheimer

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Nancy Rogers parecia muito jovem para ter o mal de Alzheimer. Mas, em 1999, seu marido Norm notou que havia algo errado. Primeiro, ela perdeu algumas bolsas. Depois, começou a se confundir no trajeto de 18 km do trabalho para sua casa, em Raleigh, Carolina do Norte.  

“Eu recebia a ligação de um policial rodoviário a cerca de 100 km de distância, em Greensboro, dizendo: 'sua esposa se encontra aqui no 7-Eleven, e está perdida'”, recorda Rogers.  

Com o passar dos anos, ele teve que explicar aos netos por que a avó não os reconhecia. “É horrível”, lamenta. “É o adeus mais demorado que você terá que dar na sua vida.” 

Nancy morreu em 2010, aos 61 anos. Rogers estava lidando com um luto profundo quando um colega rotariano lhe pediu um favor. Ele era coordenador distrital de uma iniciativa chamada Coins for Alzheimer's Research Trust, ou Fundo CART, que arrecada dinheiro de rotarianos para apoiar subsídios que financiam pesquisas sobre o Alzheimer. Por ter que deixar rapidamente a cidade para cuidar de um parente adoentado, ele perguntou se Rogers poderia assumir suas funções. 

“Eu peguei o carro e visitei 51 Rotary Clubs no período de três meses, dirigindo quase 2 mil quilômetros – essa foi a minha introdução ao CART”, relata Rogers. Nos clubes, ele incentivava os associados a esvaziarem seus bolsos em um baldinho azul. Cada moeda doada seria destinada a pesquisas sobre o estágio inicial do mal de Alzheimer. “Fiz isso em homenagem à Nancy.”  

A partir da esquerda: Norm Rogers, Rotary Club de District 7730 Passport, Carolina do Norte; Carol Burdette, Rotary Club de Anderson, Carolina do Sul; Rod Funderburk, Rotary Club de Lake Murray-Irmo, Carolina do Sul; Tiffany Ervin, Rotary Club de Hendersonville-Four Seasons, Carolina do Norte; e Bill Shillito, Rotary Club de Catawba Valley, Carolina do Norte.

Foto: Sean Rayford

Hoje, doze anos depois, Rogers é diretor regional do CART. Quando viaja para conversar com Rotary Clubs na Carolina do Norte e do Sul, ele sempre faz a mesma pergunta: “Quantos de vocês já foram afetados pelo Alzheimer?”. Invariavelmente, pelo menos 50% das pessoas levantam a mão. Isso porque não há cura ou tratamento eficaz e acessível para a doença. E há muito trabalho a ser feito nessa área.   

Parte desse trabalho árduo foi possível graças ao CART, que começou com a ideia de um rotariano da Carolina do Sul, Roger Ackerman, no meio de uma noite em 1995. 

Ackerman era empreendedor, solucionador de problemas e um homem cheio de sonhos. Associado do Rotary desde a década de 60, ele apreciava a maneira pela qual os rotarianos lidavam com os diferentes desafios da comunidade. Mas não sabia ao certo como eles poderiam ajudar a resolver o problema do Alzheimer, que também havia afetado sua família.  

Ao longo de quase duas décadas, ele e sua esposa, Deane, presenciaram Rae Wodis – mãe dela e sogra de Ackerman – lentamente ser tomada pela doença. Nos últimos quatro anos de sua vida, ela perdeu a capacidade de se comunicar e não conseguia se lembrar da sua família.  

“Não tenho palavras para descrever a tristeza de uma família em ver alguém tão amado vivendo num estado daqueles”, desabafou Ackerman durante uma apresentação ao Rotary em 2013. "Você já imaginou não ser capaz de dizer a alguém que está com fome? Que precisa ir ao banheiro? Que sua garganta dói? Coisas que fazemos todos os dias sem nem pensar... Ninguém deveria ter que passar por isso."  

Durante o tempo em que sua sogra estava sofrendo, ele não conseguiu encontrar pesquisas que lhe dessem esperança de um fim para a doença, ou mesmo uma maneira de tratá-la. Isso significava que outras famílias estavam destinadas ao mesmo caminho trágico que ele havia percorrido, e isso o afligia. 

Foi então que, um dia bem cedo, ele teve uma inspiração.  Ackerman estava dormindo na sua casa em Sumter, Carolina do Sul. Na véspera, ele havia almoçado com um amigo que disse que de US$ 8 a US$ 9 bilhões em moedas passavam pelas mãos das pessoas todos os dias na América. Ele pulou da cama quando constatou que aqueles trocados poderiam ser a chave para a cura. 

Ackerman esperou o sol nascer e, então, ligou para o presidente e o presidente eleito de seu Rotary Club. Ele explicou sua visão, dizendo que a iniciativa deveria ser simples e direta: coloque um pequeno balde azul em uma mesa e, em cada reunião, peça aos rotarianos que deixem suas moedas ali. A iniciativa seria chamada Coins for Alzheimer's Research Trust Fund, ou Fundo CART, e todo o dinheiro seria destinado a subsídios para pesquisas. 

O conselho diretor do clube votou e concordou por unanimidade em iniciar um programa experimental no final de 1995. Em sete meses, a iniciativa arrecadou US$ 4.200. 

Para Ackerman, essa era a prova de que seu conceito poderia funcionar — que as pessoas estavam dispostas a esvaziar seus bolsos, e que de moeda em moeda eles poderiam chegar a um valor significativo. Se outros clubes participassem, o céu seria o limite. Para conseguir apoio, Ackerman visitou diferentes clubes — primeiro em sua área, depois na Carolina do Sul e, eventualmente, na Carolina do Norte, Geórgia e além — para falar sobre uma doença que hoje afeta 1 em cada 9 americanos mais velhos. Ele pediu aos clubes que usassem um pequeno balde azul nas reuniões para que os participantes deixassem suas moedas. Ackerman acreditava no Fundo CART tão fortemente, que não demorou muito para conseguir a adesão de outros associados.  

Ele faleceu em 2018, mas seu legado continua vivo. “Ele tinha uma grande capacidade de persuasão”, lembra Rod Funderburk, presidente do conselho diretor do Fundo CART e associado do Rotary Club de Lake Murray-Irmo, Carolina do Sul. “Era uma ideia maluca. Mas o Roger sabia como convencer as pessoas.” 

Em 1999, aqueles trocados totalizaram US$ 100.000, e o Fundo CART, com a orientação da Federação Americana para Pesquisas do Envelhecimento, outorgou o primeiro subsídio  para uma equipe da Universidade Emory, liderada pelo neurologista Allan Levey. Ele estava pesquisando se os biomarcadores no sangue de uma pessoa poderiam ser um indicador precoce da doença de Alzheimer.  

Aquele subsídio transformou a sua vida e seu laboratório. “Ele veio em um momento realmente importante, no início da nossa carreira e trajetória, e foi suficiente para influenciar o curso da pesquisa nas próximas décadas”, lembra Levey, que hoje é diretor do Goizueta Alzheimer's Disease Research Center e do Goizueta Institute @Emory Brain Health.  

Embora Levey e sua equipe não tenham sido exitosos no desenvolvimento de um exame de sangue, ele explica que o projeto abriu uma nova era de pesquisa — e levou a milhões de dólares em subsídios subsequentes. Hoje, eles lideram programas nacionais para entender as causas do mal de Alzheimer, seus biomarcadores e possíveis alvos de tratamento.

Norm Rogers, Rotary Club de District 7730 Passport, Carolina do Norte.

Mas não foi apenas o financiamento que moldou a vida de Levey e sua carreira. Ele se tornou amigo íntimo de Ackerman e outros associados do Rotary envolvidos com o Fundo CART. Levey admirava o que eles estavam fazendo e entendeu que poderia preencher um papel importante na organização. “Roger sempre me dava a responsabilidade de traduzir a ciência para a compreensão dos mais leigos, como ele e o restante da diretoria do CART”, conta Levey. 

Esse papel foi formalizado em 2006, quando Levey se tornou parte do conselho consultivo científico do CART. Ele ajuda a selecionar vários beneficiários de subsídios anuais e converte seu trabalho para uma linguagem simples, que faça sentido para rotarianos sem formação científica ou médica. Os cientistas selecionados têm diferentes interesses e experiências, mas geralmente possuem uma coisa em comum: estão pesquisando ideias que não receberiam financiamento tradicional, muitas vezes porque ainda não têm os dados necessários para apoiá-las.  

“A abordagem do CART é investir em cientistas jovens e promissores e em pesquisas de risco mais alto, mas que poderiam ter um impacto maior se puderem ser sustentadas”, diz Levey. “Então, o objetivo é ajudar na obtenção do capital inicial para os primeiros experimentos que, depois, poderão ser desenvolvidos, e reunir apoio para a ideia realmente decolar." 

Ao longo de cerca de duas décadas, Ackerman participou de mais de 200 eventos do Rotary como orador, contando a história de sua sogra e do Fundo CART, e explicando como os rotarianos podem ajudar a desvendar uma nova compreensão sobre a doença.

Quando fala com Rotary Clubs, Norm Rogers pergunta: “Quantos de vocês já foram afetados pelo Alzheimer?”. Invariavelmente, pelo menos 50% das pessoas levantam a mão.

“Ele é a razão pela qual o CART é bem-sucedido. É um conceito brilhante e muito fácil de explicar ”, afirma Bill Shillito, presidente do Grupo Rotary em Ação pelo Combate ao Alzheimer/Demência, que atuou como diretor-executivo do Fundo CART de 2009 até se aposentar, em maio de 2022. "No entanto, sem a paixão de Roger, a iniciativa não teria sobrevivido. Ele foi corajoso e perseverante." 

O mal de Alzheimer, um distúrbio neurológico progressivo e o tipo mais comum de demência, afeta principalmente aqueles com mais de 65 anos, embora possa se desenvolver em pessoas mais jovens. A doença, que causa perda de memória, desorientação, mudanças de personalidade e outros sintomas, tornou-se mais prevalente nas últimas décadas. Entre 1990 e 2019, a incidência global do Alzheimer e outros tipos de demências aumentou em quase 150%, de acordo com um estudo publicado na Frontiers in Aging Neuroscience. Estima-se que a população mais velha nos EUA aumente e, até 2050, a Associação de Alzheimer prevê que o número de americanos com 65 anos ou mais com a doença possa chegar a mais de 12 milhões — quase o dobro do que temos hoje. 

Ackerman encontrou um propósito no CART e, agora, outras pessoas também, como Funderburk, o presidente do conselho diretor do Fundo CART. Em meados da década de 80, quando Funderburk era supervisor de engenharia, um notável engenheiro chamado Joseph Bearden se juntou à sua equipe. “Ele era brilhante”, diz Funderburk. “Construímos fábricas de produtos químicos em todo o mundo.” Quando Bearden se aposentou, Funderburk manteve contato. Aos 70 anos, o engenheiro foi diagnosticado com Alzheimer, e Funderburk observou, com tristeza, como sua essência pareceu se dissipar. “Nos seus últimos três anos e meio de vida, ele não reconhecia ninguém. Estava em uma concha, sozinho”, diz Funderburk. “Ele foi o engenheiro mais organizado que já conheci. Mas a doença de Alzheimer assumiu o controle.” Quando Bearden morreu, Funderburk não sabia o que fazer. “Olhei em volta e perguntei: Como isso pode ser resolvido?” , relembra. Isso o levou ao Fundo CART. 

Tiffany Ervin, diretora-executiva do fundo e associada do Rotary Club de Hendersonville-Four Seasons, na Carolina do Norte, diz que a maioria das pessoas envolvidas tem uma conexão pessoal com a doença. Sua mãe começou a exibir sinais de Alzheimer em 2010, aos 70 anos. Vê-la perder a memória foi agonizante. Ervin se recorda de uma visita específica no Dia das Mães. “Ela disse: ‘Por que você quer passar o dia de hoje comigo? Não prefere estar com sua mãe ou com sua família?’”, conta. “Foi como levar uma facada no estômago.” Pouco depois de sua mãe morrer, em 2018, Ervin foi convidada a se tornar vice-presidente de imagem pública do Fundo CART. Ela diz que isso lhe deu um propósito e uma plataforma para compartilhar a história de sua mãe. Ervin diz: “Aonde quer que eu vá, infelizmente sempre há alguém com uma história de Alzheimer. Nosso objetivo é que as pessoas não tenham mais essas histórias."  

Ao longo das últimas duas décadas, os trocados e doações feitas em cartfund.org chegaram a um valor que ninguém jamais sonhou. Hoje, 41 distritos do Rotary contribuem e, desde o ano passado, as doações totalizaram US$ 11,2 milhões, financiando 64 subsídios. Durante esse tempo, 100% de cada dólar doado foi destinado a pesquisas, assim como Ackerman queria. Esses beneficiários de subsídios também conseguiram receber muitos outros milhões em financiamento tradicional, de fontes como os Institutos Nacionais de Saúde. “Temos uma enorme porcentagem de sucesso”, diz Funderburk,  “se você considerar os pesquisadores que comprovam suas hipóteses e recebem recursos adicionais”. Refletindo sobre os beneficiários de subsídios anteriores, Levey diz que muitos desses cientistas em início de carreira se tornaram figuras proeminentes, até se referindo a eles como “gigantes em sua área de atuação”. 

A pesquisa financiada pelo CART tem sido ampla e experimental; alguns dos pesquisadores chamaram seus próprios estudos de “provocativos”, “de alto risco” e “altamente controversos”. Em 2022, o CART concedeu subsídios a três equipes de pesquisa, no valor de US$ 850.000. Esses pesquisadores estão estudando maneiras de transportar anticorpos protetores para o cérebro; verificando se medicamentos para outras doenças, como a malária, podem retardar o mal de Alzheimer; e analisando o papel que vírus antigos podem desempenhar em doenças como o Alzheimer

Tiffany Ervin, Rotary Club de Hendersonville-Four Seasons, Carolina do Norte.

Além do impacto da pesquisa, o Fundo CART abriu o caminho para relacionamentos e experiências que rotarianos e pesquisadores apreciam. Os beneficiários de subsídios são convidados a viajar às suas próprias custas para a reunião anual do conselho do Fundo CART, em maio, na Carolina do Sul, para o anúncio dos vencedores. Lá eles jantam com membros do conselho diretor do Fundo CART e apresentam suas pesquisas aos rotarianos. 

Norm Rogers diz que aprendeu muito sobre a doença nessas reuniões. Ele canaliza a tristeza pela morte de sua esposa para educar os outros e incentivá-los a esvaziar seus bolsos naquele pequeno balde azul. “Nós voltamos e explicamos aos nossos clubes com uma linguagem mais fácil de entender”, diz ele. “E quando contamos a eles no que estamos trabalhando, eles dizem: ‘Nossa, precisamos doar mais!’” 

Os cientistas também levam mais do que apenas o financiamento. Todos os beneficiários dos subsídios de 2022 dizem que estão animados com a dedicação dos associados do Rotary. “Eles têm uma paixão incrível”, diz Peter Tessier, professor de ciências farmacêuticas e engenharia química da Albert M. Mattocks, na Universidade de Michigan. “Depois de passar um tempo com eles, voltei e fiquei completamente emocionado, honrado, agradecido e impressionado. Eu realmente não conhecia um grupo como esse. Eles são únicos.” 

Jerold Chun, um beneficiário de subsídio de 2022, que é professor e vice-presidente sênior de descoberta de medicamentos em neurociência do Instituto de Pesquisa Biomédica Sanford Burnham Prebys, em La Jolla, na Califórnia, ficou igualmente emocionado e grato por fazer parte do CART. “Eles deram seu sangue, suor, lágrimas e dinheiro para nos ajudar em nossas pesquisas”, reconhece.

Aonde quer que eu vá, infelizmente sempre há alguém com uma história de Alzheimer. Nosso objetivo é que as pessoas não tenham mais essas histórias.


Chun acredita que esse tipo de motivação popular é fundamental para ajudar os cientistas a buscar novas ideias e obter uma compreensão mais profunda do cérebro. “Há tanta coisa que nós, cientistas, não sabemos”, diz ele. “Todo esforço para definir melhor como nossos cérebros funcionam é algo que vale a pena ser feito e apoiado.” 

Essa noção, na verdade, era o que estava na mente de Levey no outono de 2022, quando ele leu sobre resultados promissores de um teste, em estágio final, de um novo medicamento, desenvolvido pelas empresas Biogen e Eisai, que parece retardar modestamente o declínio cognitivo em pessoas na fase inicial do Alzheimer. “É o primeiro remédio que realmente parece ter benefícios consistentes em retardar o curso da doença de Alzheimer”, informa. “Esse é um grande avanço para termos o primeiro tratamento, que parece estar muito próximo.” 

Claro, ele pensou imediatamente nas pesquisas do Fundo CART. Embora o remédio não tenha vindo da iniciativa, sua descoberta se deve a milhares de pesquisadores e décadas de trabalho, e aqueles pequenos baldes azuis fizeram parte disso. Pode-se dizer que as pesquisas sobre o Alzheimer vêm aumentando assim como as moedas da iniciativa. Elas começaram de pouquinho em pouquinho, mas, com dedicação, determinação e visão, floresceram.

Artigo publicado na edição de maio de 2023 da revista Rotary.

O Grupo Rotary em Ação pelo Combate ao Alzheimer/Demência está enfrentando o desafio do crescente número de pessoas afetadas por distúrbios cerebrais.


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